Amar: Queimar Todas As Ideias E Práticas De Extermínio

quinta-feira, março 21, 2024

**tá cheio de spoiler real oficial**

É importante posicionar os códigos semióticos que estão por trás dessa imagem presente na série AMAR É PARA OS FORTES . Esse personagem, Digão (Maicon Rodrigues), está queimando uma farda. Mas ele não queima uma farda. Ao fazer isso, o seu gesto é de ir contra um discurso que diz que para ser um bom policial você deve matar as pessoas. O tal “atirar na cabecinha”. É esse o discurso por trás da farda que Digão queima. Ele não vira bonzinho nem santo por esse ato. 

Não se trata disso.

dig labar f

Quando fazemos ficção, toda ação que um personagem faz é para justificar o jogo dramatúrgico que nós, roteirista, estabelecemos. Alguns atos desse personagem são discursos. Uma obra de audiovisual está cheia de afirmações. Toda e qualquer história busca dizer algo com a jornada que se apresenta, por meio do que os personagens fazem e do que eles se tornam. 

Esse personagem foi escrito como um policial negro que nunca se sentiu confortável com esse trabalho. É o clássico caso de carreira familiar. A mãe é médica, os filhos também vão ser. O pai é policial, Digão também foi ser. E aí o que temos é um jovem extremamente frustrado com o seu futuro. Não gosta do que faz. O que ele quer é surfar. Essa é a sua grande e verdadeira paixão.

Quando eu entrei na série, Digão e sua família eram brancos. Primeira coisa que falei foi: e se as duas famílias fossem negras? Porque eu sabia que a história ia cair no senso comum, o negro contra o branco. A gente já viu muitas histórias com essa dualidade. E elas ainda continuam sendo importante de serem contadas.

farda dig

Mas aí as famílias viraram pretas. A complexidade chega mais profunda porque tocamos no ponto que é quando instituições brancas nos usam para que a gente mate uns aos outros. Se odeie mesmo, no mais profundo. E o racismo funciona muuuuito bem assim.

Se a vida de todas as pessoas importa, tinha que se levar em consideração que a polícia que mais mata também é a que mais morre. E os fardados que são assassinados tem uma cor em comum: a preta. Não vamos falar disso? Não vamos falar que o Rodrigo (pai, Bukassa Kabengele), mesmo no cargo de corregedor, é comandado por um branco e não exerce a autonomia que esperava ter?

Na história, o Digão não morre. A família dele segue. Sim, são “protegidos”. Mas Digão é condenado e vai preso. É provado que ele assassinou o Kevin (João Tibúrcio). E que ele mentiu no depoimento que deu a polícia. Mas a gente sabe que essa não é uma realidade no Brasil. Casos como esse, não são solucionados, levam anos, muitos deles são arquivados e não vão pra frente.

Digão queima a farda porque o personagem precisa agir diante do caos. E esse é um gesto para afirmar que não podemos admitir a continuidade de práticas organizadas que destroem a vida e a existência de pessoas de cor.

dig labaredas lev

A arte existe também para que a gente possa imaginar aquilo que a gente quer ser no futuro.

AMAR É PARA OS FORTES é uma série produzida pela Pródigo Filmes.

Criada por Antonia Pellegrino, Camila Agustini e Marcelo D2

Dirigida por Daniel Lieff, Katia Lund e Yasmin Thayná

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Diretora e roteirista de filmes, clipes musicais e séries. Apresenta um programa sobre cinema no Canal Futura e dirigiu projetos de ficção importantes dentro do entretenimento, como “Amar é para os fortes” na Prime Vídeo. Em breve, lançará o longa-metragem “Virginia e Adelaide”, em parceria com Jorge Furtado. Outro lançamento de sua direção, previsto para 2024, é a série de comédia “Toda família tem” na Prime Video. Foi considerada pela revista Forbes como um dos 90 nomes brasileiros abaixo de 30 anos mais brilhantes em sua área de atuação e CriativeX pela Wired (50 pessoas que transformam a criatividade no Brasil).
Com passagens em diversos festivais dentro e fora do país, Yasmin venceu o prêmio de melhor curta-metragem da diáspora Africana na Academia Africana de Cinema, com seu filme “Kbela”.

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