A ideia do clipe “Pop star”, da Malia, é afirmar que ser uma pop star é ter pertencimento. Ser pop star é preservar seu olhar, ter participação e voz ativa sobre a imagem que se constrói sobre você. Isso não é sobre estar no controle de tudo e não abrir brechas para outros olhares. Mas é justamente sabendo para onde se quer ir que as colaborações caminharão junto de você. Estratégia.
Quando a Malia me ligou pra falar sobre o seu novo disco, “O som da minha casa”, ela deixou muito claro o quão importante era voltar para casa. E a casa aqui não é o espaço físico, mas o sentimento de pertença. O ninho simbólico onde encontramos conforto, identidade e conexão com as pessoas. Lugar onde você pode partilhar seus medos, suas dúvidas, obter respostas ou até mesmo sair com perguntas, tão importantes quanto as respostas. Há muita força nisso.
Depois de muito conversar e ler sobre o que a Malia tinha escrito e separado sobre o seu disco, sobre os conceitos que ela gostaria de agregar nesse novo trabalho, cheguei a conclusão que o roteiro partiria de um lugar onde uma mão branca, que não sabemos de quem é, sem nome nem endereço, coloca várias coisas no corpo de Malia. Coisas essas que não tem nenhuma relação com a sua história nem significado algum. Coisas que causam um impacto estético, mas que não querem dizer absolutamente nada. Uma mão que, além de adorná-la, impõe como ela deve se comportar. Se relaciona com a artista como se ela fosse uma marionete, que só deve ser comandada e jamais ouvida.
Com um semblante visivelmente desconfortável, é como se Malia não estivesse com seu coração ali. E, ao notar um elemento de canto, ela então consegue retornar para casa. Esse objeto percebido por Malia é uma caixa de som construída por seu encantado pai (in memoriam), e sempre lembrado com amor.
A caixa de som é o objeto que permeia os dois clipes de Malia (o segundo é o clipe da música “Vou atrás”, comentarei a seguir). É através dessa caixa que nos conectamos com “o som da minha casa”. E o que há por trás desse som é justamente o oposto dessa cena inicial. O som da minha casa carrega pessoas que ajudam a construir a imagem de Malia, carrega pertencimento, conselhos, olho no olho, família graaande reunida, a comemoração pela vida na criatividade. Essa é a pop star que Malia quis registrar: aquela que vai pro mundo, mas não antes de estar em casa com os seus.
Lindo até depois de amanhã, né?
Mas aí também tem a parte de direção que é: como dar conta da importância e preservar a grandeza das coisas que fazem sentido pra narrativa?
Uma decisão foi gravar a master da Malia embaixo de uma lona de baile, lona que é o “símbolo ecumênico” da cultuação do corpo e da vida. A lona tem uma importância se a gente quiser falar de alegria e de cultuar a vida em territórios favelados. Então o contra-plongée é o pano de fundo de onde a voz sai.
Outra parte importante para todo o trabalho era mostrar a Cidade de Deus, mais especificamente os apês da CDD, que são os conjuntos habitacionais, lugar onde Malia é cria. Então decidi por gravar a master no contra-plongée mais radical que a gente conseguisse, de modo que mostrasse o apês do lado de dentro (então é uma visão de dentro do lugar e não fora dele) e a Malia em primeiro plano cantando toda a música como forma de reafirmar que aquele lugar tão grande cria artistas imensos.
Sobre o clipe da música “Vou atrás”, ouvi muito o que Malia queria dizer com o seu “ir atrás”. Fiquei, mais uma vez, muito orgulhosa dela e da sua capacidade de articulação dentro do seu fazer artístico. Não é fácil cruzar pensamento, conceito, em imagens tangíveis, que qualquer pessoa vai conseguir identificar do que se trata e, acima de tudo, transmitir a vibe, a sensação do que se quer passar. Mas é por isso que falei ali em cima dos signos: quando alguém, que não entende nem quer entender sua história, de onde você parte e para onde você quer chegar, quando chega com conceitos prontos impondo o que você deve ser, é que dá ruim. Pode acreditar, o clichê é verdadeiro: nada é mais forte do que aquilo que se acende dentro de você. Nós temos um propósito.
Pensei em todas as formas de interpretar essa ideia de “ir atrás”. São muitas, né? Quem é preto, mulher, periférico, pertencente a qualquer minoria social, já toma a aula de ir atrás desde que se entende por gente. Então as opções eram diversas, mas muitas levavam para um lugar de responsabilidade perante a estrutura social. Principalmente se considerarmos o feminino como protagonista.
Correr atrás como sinônimo de “Vou atrás”, da alegria, da vida e do bem viver. A vivência. A diversão. O sorriso largo despretensioso, a possibilidade de deixar a vida te levar numa tarde de domingo. Jogar videogame com as suas garotas preferidas. Como é importante isso para ir atrás de qualquer outra coisa.
E foi a partir desse pensamento que escolhi um clima mais documental como linguagem de atuação para representar o sentimento que esta música quer passar. Vou chamar afetuosamente de “mandamentos” as situações das cenas.
O primeiro mandamento é habitar um espaço de conforto no simples. É o que você pode ter agora e o seu olhar carinhoso pra esse espaço. Não importa qual seja. Fazer um café da manhã pra você mesma e desfrutar da sua companhia. Aqui, privilegiei uma atuação mais relaxada, sem preocupações com o externo, com a câmera na mão que desse conta do balanço inicial da música e do movimento de “despertar”.
O segundo mandamento é se alimentar daquilo que te faz bem com as pessoas que você gosta. Aqui, tem mistura de planos fixos e planos feitos com câmera na mão, sempre filmando de perto as relações entre Malia e suas amigas. Afeto entre pessoas negras é algo que precisamos ver de perto, cada vez mais.
O terceiro mandamento é: jamais. (eu disse JAMAIS) esquecer de se divertir com as pessoas que você ama. E com aquelas que você pode encontrar na pista. Essa cena com a Malia e as meninas se divertindo no fliperama, foi um elemento que escolhi para representar o espaço do lazer que mexe com a criatividade e aumenta uma certa adrenalina. O primeiro plano, que estabelece o local, mostra um corredor com profundidade onde passa gente a pé e gente de moto. Representa muito bem o fluxo, o ir e vir, o movimento intenso de um território como a CDD, que além de tudo isso, também preserva um elemento de diversão.
O quarto mandamento é: se divertir, de novo. Tomar um banho de mar e se divertir até perder a nitidez daquilo que te afasta da alegria. Para essa cena, escolhi filmar em câmera lenta porque interessava a desestabilização da imagem mas de uma forma suave. Algo que estivesse ali, no meio delas, participando quase como um ponto de vista. Também foi uma escolha pra ressaltar a magnitude do mar e o efeito lento traz uma sensação de sonho, ou de algo que deva ficar na memória como algo perene.
O quinto e último mandamento é: botar um cropped, reagir, ir pro seu local preferido, ficar doidona (com moderação, gente, não vamos perder a linha) e jogar conversa fora. Beijar umas bocas… Tendeu?
Essa cena mistura três camadas de atuação: a Malia cantando e dançando com as meninas, elas conversando num clima descontraído e os closes/carão. A mistura foi uma forma de dar conta do pedido de Malia, que era representar suas vivências reais na Lapa. Talvez essa seja a cena mais dançante onde os planos carregam movimento de câmera “ondulado”, mexem, remexem, balançam no ritmo da música. Foi uma forma de conectar as situações e o ritmo da imagem acompanhar o ritmo da música.
No ato final, a Malia queria alguma situação de um tal “sumiço” e queria que fosse entendido como se ela fosse sequestrada por ela mesma. E aí que surgiu a cena desse “sequestrador”, representado pelo bate bola, cultura que se conecta com a vida e obra de Malia. E eu pensei, com a câmera e a direção dos atores, em deixar forte esse sentimento de euforia, de algo que assusta e mete medo, sensações que o universo brincante do bate bola carrega. O aspecto do porão úmido foi algo que concebi desde o roteiro. Com os atores, trabalhei um contato de violência. Na decupagem, mesclamos planos que observam a cena pelas brechas, pontos de vista desestabilizados do bate bola e contra plano do ponto de vista de Malia. Era importante um sentimento de adrenalina e terror.
(Quando o bate bola tira a máscara, fica um silêncio. Mas eu queria muito colocar a risada icônica do clipe do Michael Jackson, o “Thriller”. Enfim, fica pra próxima, kkkkk)
Esses dias eu estava fazendo uma retrospectiva, olhando umas imagens que fiz, alguns trabalhos anteriores, e vi que a Malia é a artista que mais se repetiu num curto período de tempo. Desde que eu a conheci, me conectei com elas de diversas maneiras. Nunca planejamos o futuro. Mas, estamos aqui, mais uma vez, em nosso ato de acreditar nas imagens e mensagens que queremos colocar no mundo. Acho que fizemos bons arranjos. O Tempo é o senhor de todas as coisas mesmo.
Obrigada, Malia.
Que você nunca deixe de voltar para casa. A sua força está aí.
Direção e Roteiro:
- Yasmin Thayná
Elenco:
- Cibele Costa
- Eve
- Felipe Machado
- Flor do Gueto
- Marcelo Bonan
- Maridão
Produção Executiva e Direção de Produção:
- Luísa Noel
- Jessica Villardo
- Assistente de Direção:
- Jamile Adriana
Estagiário de Direção: Arthur Costa
Produtora Local: Janaína Machado
Produtor de Set: Cabelinho
Direção de Fotografia: Edvaldu Neto
1º Assistente de Câmera: Renan Herison
Gaffer: Lucas Vacare
Assistente de Elétrica: Lorran
Direção de Arte: Alex Gabriel
Contrarregras: Daniel Dias
Contrarregras:
- Daniel Dias
- Angu
Figurino:
- VINIZIUS
- Malía
Maquiagem: Suellen Barreto Makeup
Fotografia Still, Making Of e Foto de Capa do Álbum: Angelo Pontes
Designer da Capa do Álbum: Alex Gabriel
Transporte:
- Claudio Gago
- Oziel Machado
- Andinho
- Neymar
- Fernando F. Fonseca
- Carestiato
- Claudinho JPA
Catering: Noz Moscada
Agradecimentos Especiais:
- Luz Rio – Alcininho
- Rob Lis
- ETC Locações – Pablo Lennon
- Felix Costa